sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

Silêncio, erudição e... Rock'n Roll!

Parece-me que herdamos uma insignificante cultura dissidente de aberrações artísticas. Imaginem que estão em uma sala de aula com um professor de História, lecionando sobre resistência na ditadura. Com toda certeza Chico Buarque será citado nessa aula.
Não me parece difícil relacionar a cultura musical das décadas de 60, 70 e 80 no Brasil com uma outra cultura: a da "tríade-lema" "Sexo, drogas e Rock'n Roll". Mas muito me espanta o cálice que C. Buarque, R. Carlos e outros representantes da cultura dissidente no Brasil oferece aos brasileiros atualmente.
Claro que não constituiria um problema tal fato. Mas existe em torno dessas figuras uma idolatria. A erudição de C. Buarque parece não poder ser maculada com seu passado dissidente. R. Carlos é o "cara" de terno que (nunca) foi figurão da Jovem Guarda.
Que bizarro é a Procure Saber! Que bizarro é notar que a excêntrica "esquerda acadêmica" compõe grandemente os fanáticos idólatras dessas figuras.
Tal qual o Ministério da Verdade, através da Procure Saber e dos artigos 20 e 21 do Código Civil Brasileiro, os ídolos da cultura brasileira têm apagado uma memória coletiva em favor de direitos individuais. Felizmente para eles, brasileiro tem memória curta (W. Smith se lembrava, afinal ele era operador no Ministério).
Vamos à grande mentira da nossa História Cultural: durante a ditadura, os artistas que compunham a Jovem Guarda buscaram influência nos ecos experimentais de uma subcultura longínqua, uma cultura dissidente que buscava romper com as ideias conservadoras moralistas com uma espécie de Revolução Sexual através da fuga consciente da auto-consciência drogando-se e emitindo palavras de ordem com uma melodia baseada em solos de guitarra. Um sucinto resumo do Rock através de sua tríade. Quão erudito! Através de toda essa erudição, os 'rockers' buscavam Liberdade em todos os sentidos. Liberdade essa que atraiu vários artistas brasileiros em tempos de censura.
Os ecos que Clio nos grita, escritos por bilhetinhos à musa por ex-estudantes militantes da frente esquerdista, que compõem hoje uma espécie de esquerda clássica: a Jovem Guarda, a Tropicália e outros movimentos culturais da ditadura confrontavam um sistema opressor. Chico, Roberto, Caetano, entre outros eram dissidentes lutando por uma abertura, e com a música subverteram a censura em prol da liberdade!
Mas como a História dá voltas! Hoje, Chico Buarque, Roberto Carlos, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Milton Nascimento, Djavan e Erasmo Carlos somados formam a Procure Saber, fundação que entre a fachada de informar sobre "como funciona a indústria fonográfica no Brasil" oferece-nos um enorme cálice de Hipocrisia puro malte 25 anos. Que vinho bom!
Em algum momento, criou-se um culto à personalidade e apagou-se a cultura dissidente da memória. E é esse culto a personalidade que possibilita a defesa do direito de personalidade! E dá-nos este cálice, quero me inebriar!
Enquanto o Rei do Rock aparece em tantas biografias, Roberto Carlos, Rei do Brasil escolhe quais livros circulam em nosso reino. MAIS VINHO!!! Deve ser o Santo Graal esse cálice, de tão grande seu poder!
Um gole rápido de água: acontece que a esquerda por aqui esqueceu de esquecer seus ídolos quando se fez necessário e se lembrou apenas de apagar seu passado (diga-se de passagem, muito melhor que o presente), tal qual W. Smith atuando junto ao Ministério da Verdade! E que verdade, não? Lembra-me até a astúcia do nome 'Procure Saber'... lá vem a ressaca! Dói a cabeça, o estomago azeda. Deve ter sido o gole de tequila!
Que nada! Ignorando a cultura dissidente, surge no Brasil lobos famintos, olavetes de carteirinha, ultrajes, à rigor... e não muito distante disso, permanece a idolatria à C. Buarque! Deixa-se de lado a capital inicial dessa cultura, critica-se o Funk só por não gostar, alega ainda a falta de moral. Isso pra citar só um exemplo. A cabeça gira, não conseguimos fixar os olhos... a culpa é mesmo do vinho!
Mas voltem às raízes... nem que seja apenas para perceberem o erro que cometeram!
Que Cazuza permaneça o Santo da dissidência perdida que os padres dessa igreja não poderão ser, nunca! Ainda bem que temos vivos nossos protestantes...
E que tomemos sempre do cálice que nos ofertam, por idolatrarem demônios que se fingem de anjos. Amém!

2 comentários :

  1. Bom texto! Uma escrita cheio de imagens... (In)felizmente o Cazuza morreu a tempo de não profanar (ao contrário) a Divina Trindade que habita o imaginário de alguns intelectuais liberais (político, digo). Creio que RC nunca foi um crítico da ditadura. Já Tom Zé, embora posto junto a Tropicália e não tocando roque, bateu dos dois lados. Bateu na ditadura e no samba ufanista (de Chico e outros). Pena poucos terem entendido sua arte que, para dizer a verdade, não agrada meu gosto. Sobre esses dissidentes que mudam, tal como os guerrilheiros que viram chefes da repressão, eu prefiro analisar as coisas a partir da teoria francesa de "subjetividade" e da "desilusão biográfica" para não ficar condenando os outros de incoerência, sobretudo num espaço de 30/40 anos. Assim, apesar do "nome" ser o mesmo, não há um sujeito duradouro e linear, mas subjetividades como a história: descontínua, casual e incoerente.

    Abraço!

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    1. Realmente, Cazuza morreu antes, mas não se sabe se ele iria profanar a Tríade. Acho que o RC não foi mesmo um crítico da ditadura, mas ele é uma grande figura em um movimento que pelo menos parecia "pretender" ser, rs. Ao contrário, de Tom Zé não precisa ser muito exigente, já que até hoje figura em segundo plano e sempre "bateu dos dois lados". É uma boa observação sobre a questão da mudança ao longo do tempo, mas ainda continuo crítico do reverso nessa quase longa duração do sujeito, rs. Acho que da mesma forma a análise realmente recai na não-duração dos indivíduos, como eu disse, a História da voltas.

      Obrigado pelo comentário, abraço!

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